quarta-feira, outubro 25, 2006

 
MAUS PAIS



Veio parar-me às mãos um texto distribuído a crianças de um ATL. Não vinha assinado. Não tenho, assim, maneira de pedir autorização para a sua publicação.
Vale a pena lê-lo nem que seja para não “perdermos o norte” nesta difícil tarefa de educadores na “atmosfera” em que vivemos.


DEUS ABENÇOE OS PAIS MAUS!

“Um dia, quando os meus filhos forem crescidos o suficiente para entenderem a lógica que motiva um pai, eu hei-de dizer-lhes:

- Amei-vos o suficiente para ter insistido para que juntassem o vosso dinheiro e comprassem uma bicicleta, mesmo que eu tivesse possibilidade de a comprar.
-Amei-vos o suficiente para ter ficado em pé junto de vós, duas horas, enquanto limpavam o vosso quarto - trabalho que eu teria realizado em quinze minutos.
- Amei-vos o suficiente para vos obrigar a pagar a pastilha que “tiraram” da mercearia e dizer ao dono: eu roubei isto ontem e hoje queria pagar.
-Amei-vos o suficiente para ter ficado em silêncio, para vos deixar descobrir que o vosso amigo não era boa companhia.
- Amei-vos o suficiente para vos deixar assumir a responsabilidade das vossas acções, mesmo quando as penalizações eram tão duras que me partiam o coração.
- Amei-vos o suficienete para vos ter perguntado: onde vão, com quem vão e a que horas regressam a casa.
- Amei-vos o suficiente para vos deixar ver fúria, desapontamento e lágrimas nos meus olhos ( e alegria também!).
- Mas, acima de tudo, eu amei-vos o suficiente para vos dizer NÃO, quando sabia que me iriam odiar por isso.
Estou contente. Venci, porque no final vocês também venceram. E qualquer dia, quando os vossos filhos forem suficientemente crescidos para entenderem a lógica que motiva os pais, vocês irão dizer-lhes, quando eles vos perguntarem, se os vossos pais eram maus, que sim, que eram os piores pais do mundo!, porque:

- Enquanto os outros miúdos comiam doces ao pequeno almoço, nós tinhamos que comer cereais, tostas e leite.
- Os outros miúdos bebiam Pepsi ao almoço e comiam batatas fritas, enquanto nós tinhamos que comer sopa, prato e fruta. E, não vão acreditar!, os nossos pais obrigavam-nos a jantar à mesa, o que era bem diferente dos outros pais.
- Os nossos pais insistiam em saber onde estávamos a todas as horas, era quase uma prisão. Tinham que saber quem eram os nossos amigos e o que fazíamos com eles.
- Insistiam em que lhe disséssemos que íamos sair mesmo que demorássemos só uma hora ou menos.
- Nós tínhamos vergonha de admitir mas eles violaram uma data de leis de trabalho infantil: nós tínhamos que fazer as camas, lavar a loiça, aprender a cozinhar ir despejar o lixo e todo o tipo de trabalhos cruéis. Eu acho que eles nem dormiam a pensarem em mais coisas para nos mandar fazer.
- Eles insistiam connosco para lhes dizermos a verdade, e apenas toda a verdade, sempre a verdade.
- Na altura da nossa adolescência eles conseguiam ler os nossos pensamentos o que tornava a vida mesmo chata.
- Os nossos paisi não deixavam os nossos amigos buzinarem para nós descermos. Tinham que subir, bater à porta para eles os conhecerem.
- Enquanto toda a gente podia sair com doze ou treze anos, nós tivemos que esperar pelos dezasseis ou dezassete.
- Por causa dos nossos pais, nós perdemos experiências fundamentais da adolescência: nenhum de nós esteve alguma vez envolvido em actos de vandalismo, em roubos, violação de propriedade, nem foi preso por algum crime.
Foi tudo por cauda deles.
Agora que já saímos de casa, somos adultos, honestos e educados, estamos a fazer o nosso melhor para sermos “maus pais” tal como os nossos pais o foram.
Eu acho que este é um dos males do mundo de hoje: não há suficientes maus pais.”



para o Zé Maria

domingo, agosto 13, 2006

 
POR QUE RAZÃO MENTEM?





E quando aquelas mãozinhas pequenas e torneadinhas, com dedinhos rechonchudos e ternos, mudam e passam a cumprimentar as pessoas que passam com apertos de mão? Parece mentira!
Afinal cresceram mais do que parecia! E mais depressa apesar de tantas vezes sentirmos que o tempo nunca mais chegava aquele ponto de sossegarmos.

E quando os pezinhos que se esfregavam um no outro durante o sono e as brincadeiras começam a caminhar para se afastarem, ao invés de virem ao encontro de quem os amou e fez crescer?

Pois é, vão ao encontro da vida, do futuro.
Nós somos passado e presente. Um presente qual plataforma de avião para o paraquedista que se atira cheio de medo, mas que se lança na mesma lá do alto em busca de...? Não sei bem de quê pois nunca fui paraquedista nem nada lá perto! Morreria de susto no primeiro segundo longe do contacto com o avião! Mas se aqui estou é porque também me terei atirado na altura desapropriada segundo a opinião dos mais velhos. Para mim foi, certamente, a altura certa.

Mas assim é. Vão à procura deles, do desconhecido, da aventura, das novas descobertas e de sensações por mais que se lembrem, não acreditando, dos nossos conselhos e acautelamentos!
Paralelamente a este esvoaçar para fora dos limites aconselháveis do ninho, passam a ter atitudes que já conhecíamos na filha da amiga ou no primo mais velho, ou na sobrinha do vizinho próximo: começam a mentir, a inventar esquemas e estratégias de encobrir pequenos e grandes acontecimentos.

Incrédulos, repensamos: "Não, não pode ser! Ele nunca me mentia! O que se passará? ". "Afinal mentiu-me mesmo, a minha filhota! E pensava conhecê-la tão bem! ". "Afinal já a apanhei em várias mentiras e omissões! Porquê?".

Porquê? A razão pela qual o fazem é que não pára de nos matraquear a cabeça e nos tira horas de sono.

Mentem-nos com mentiras tão infantis! Por motivos que nem sequer entendemos, mas continuadamente infantis: "...não, não fiz chamadas para telemóveis!"- e a conta do telefone aparece irremediavelmente fora dos limites habituais...Quem foi então? O gato?!! Não!
Mas por que razão mentem?

Confrontada com certas omissões e mentiras que já não tinham mais pernas para andar( nem curtas nem compridas) Maria baixou os olhos e disse: "Não sei, não sei a razão. Não queria que soubesses que não sou fantástica e que, afinal, as notas baixaram muito...ou seja, que tive negas!

"Mas eu iria saber sempre quando o postal das notas chegasse a casa, quando assinasse os testes, quando fosse à escola, enfim, sabes bem que a verdade vem sempre à tona de água e a mentira tem perna curta, não sabes? Não faz sentido mentires! E além disso sabes bem que a mentira é algo muito feio! Bolas, já falámos tantas vezes sobre isto!".

"Sim, mãe eu sei... mas enquanto não soubesses eu era para ti a melhor filha do mundo!".

Quando será que aquelas cabecinhas entenderão que eles são sempre os melhores filhos no mundo do nosso amor? Será necessário mentirem até conseguirem aceitar-se tal qual são? Com os bons e maus bocados, tal qual o pastel de nata(adoro o creme e detesto o folhado)?

Distanciando-me um pouco e amansando a minha fúria, relembro a pré-adolescência da Ana. Apesar de ter sido sempre muito atinada também me pregou algumas mentiras - muito provavelmente mais do que pensei na altura.

Passados mais de dez anos, somos duas boas amigas, amando-nos com um imenso respeito pela identidade de cada uma, compreendendo-nos como só pode quem é feito da mesma carne e com o mesmo sangue. Indiscutivelmente a minha asa de mãe estará sempre em stand by, mesmo quando os netos chegarem, mas quando o caminho que escolhe não é o que me parece melhor a mentira já não está presente para adoçar a conversa.
E sei que tenho a melhor filha do mundo. E ela também sabe que eu sei.


quinta-feira, julho 27, 2006

 
SAUDADES






Há três longos anos que não vejo a minha Mãe.

Não por qualquer aborrecimento ou afastamento geográfico. Mas porque há três anos que faleceu. Partiu deixando um enorme vazio pintado de várias cores.

Tenho saudades dela. Muitas.
Continuo um pouco incrédula com o facto de sempre ter existido na minha vida - e eu na dela – e, de um momento para o outro, numa fracção de segundo, o que era deixou de ser, o que existia deixou de existir. Ficou tão somente um corpo sem vida e sem alma, sem ela!

Curiosamente as saudades doem mais cada dia que passa.
Sei que o tempo ajuda nas perdas. Mas este nosso tempo não está a fazer efeito, qual aspirina nas fortes dores de cabeça - talvez este tempo esteja fora de prazo pela forte relação que tínhamos.

Que é feito das nossas conversas, Mãe?
Das incessantes sessões de risos que nos faziam dores no estômago por não pararem mais?!
E dos rios onde juntas navegávamos em frágeis barcaças fortes e plenas de sentimentos?

Ficámos com viagens agendadas, apesar de termos passado a vida a fazer férias juntas.
Um cruzeiro era um dos teus sonhos...Que passou a ser nosso. Só nós as duas, dizias, e os livros, as conversas e o sossego de não olharmos para o senhor do tempo: combinámos tantas vezes que retiraríamos os relógios ao embarcar!

Quantas vezes partilhámos alegrias e desgostos, enquanto dividíamos doses em restaurantes de praia... Houve alturas de fartura, de desafogo e outras em que as doses e a dose de amor era muito repartida. Mas sempre chegou para, com ou sem concordâncias, chegarmos a bom porto e ajudar na condução dos destinos. Mesmo na dissidência, mesmo na derrota, mesmo na amargura e na desilusão que a vida, por vezes, trazia.

“Até que a morte nos separe” foi, de facto, o nosso lema sem precisarmos de casamento.

“Com a morte acaba tudo, não nos iludamos”- há quem diga.
Mas não, não pode ser. Por muito que entenda que este acreditar se prende com a minha necessidade e não com o que realmente existe ou não.

Com a morte de alguém a quem muito amamos e a quem estamos tão ligados sentimos a distância, não a morte ... esta terrível impossibilidade de estarmos perto, de privarmos, de vivermos com essa pessoa.
Morrer deve ser estar inevitavelmente afastado de quem amamos.
Mesmo que seja para estarmos mais perto de todos.


Olha, queres ver como ainda me lembro bem de quando era miúda e me escondia na prateleira do quarto dos brinquedos? Vinhas buscar-me pela mão para conversarmos.
Lembro-me do teu reconfortante colo quando, apavorada, cheguei a casa com a novidade sobre o nascimento dos bébés: a Maria do Carmo - colega repetente armando-se em sabichona ao pé das mais novas - tinha contado que os bébés nascem pelas costas das mulheres! Que o médico abria um buraco nas costas e metia a mão bem fundo até chegar à barriga para puxar os gaiatos cá para fora!
“ Mãe, que horror”- balbuciei a chorar- “não quero ter filhos nunca!”.

Seguiu-se uma aula de anatomia dada à laia de conto fantástico. Só nós as duas deitadas na cama, cumplicidade ao máximo! Tinhas tomado duche e o lençol branco enrolava o teu corpo de mãe.
Foste-o desenrolando e explicaste-me onde cresciam e por onde nasciam os filhos das mulheres.

Meu Deus, lembro-me de tanta coisa mais! Afinal estás tão comigo cá dentro! E o teu cheiro? Cheiravas a mãe! Esse nunca mais conseguirei cheirá-lo. Mas ficou gravado na minha memória. Se alguma vez passares por mim reconhecer-te-ei.

Também me ensinaste que rezar é falar com Deus.
Aprendi que escrever é uma das formas de falar contigo. Sempre foi!
Quando partiste tivémos de desmanchar a casa, como quem apaga a luz para fechar a porta. Mas não me esqueço, entre tantas outras coisas, que deixaste no fundo das gavetas tudo o que te escrevi ao longo dos anos. Mesmo quando era bem minúscula, apesar de grande no teu coração. Escrevinhanços bem guardados como ficou a minha promessa de não deixar de escrever.

quinta-feira, julho 20, 2006

 
ESTA ARTE TÃO DIFÍCIL QUE É EDUCAR





Quantas vezes, no passado, ouvi de sábias bocas amigas “Espera até eles serem adolescentes! Aí é que vais ver o que é complicação!”, como resposta aos lamentos das noites mal dormidas por causa da febre e das dores de ouvidos dos meus filhos. Estas exclamações, dadas à laia de resposta, revelaram-se com tamanho sentido no meu dia-a-dia desde há uns anos para cá, que tenho que os lembrar. “ Dores de barriga? Corridas para as urgências do Hosp. de D. Estefânia? Isso são doces! Isso é normal e é a parte mais fácil! Espera mais uns anitos! Aí é que vais ver o que é difícil! Vais sonhar com as dores de ouvidos e desejar as dores de barriga!”. Claro que sorria mas, sinceramente, naquela altura não me pareciam sábios comentários. Por inexperiência minha e falta de capacidade de observação, sei-o hoje! De facto o que são as noites mal dormidas pelas centenas de vezes que lhes vamos acalmar o choro ou para lhes dar um antipirético comparadas com as que não dormimos de todo pensando como compreendê-los? Dando voltas à cabeça, ao instinto e à sensibilidade para concluirmos como os vamos ajudar, como irão eles conseguir sair desta “fase” tão estranha que é a adolescência nos dias que correm. De facto não é comparável. É amor de igual medida, é preocupação com a mesma cor, é o ser pai ou mãe de coração inteiro, mas é muito mais aflitivo por incapacidade de projectarmos o futuro próximo. Ou de o projectarmos com um final menos apetecível. Quando eram pequeninos, e com as "camuecas" normais e costumeiras dos miúdos sabíamos, de antemão, e quase com cem por cento de certeza que a doença passaria em 48horas ou, no caso das célebres viroses levariam 3, 5, 7 ou 15 dias a passar!?! Não que não nos preocupássemos com essas coisas, e a maior parte das vezes excessivamente estando conscientes que tudo poderia complicar-se, mas não sabíamos de todo o que ainda estava para vir! O que não são e o que não custam as noites do romper dos dentes e dos febrões das anginas comparando-as às noites não dormidas e ao cansaço do desânimo de convivermos com um desenvolvimento, dito adolescente, de forma caótica e nunca conforme o que tínhamos projectado e imaginado?! Para aumentar o nosso desespero está uma atitude de retraimento na comunicação deles para connosco e para com o mundo, respondendo à nossa insistência com um “Não é nada. Estou bem, só preciso de espaço. São coisas minhas. Não, não quero falar!”.
Desesperante, não?
Mas, por outro lado muito educativo para nós, pois aprendemos que como pais conscientes e alertados que somos, temos de conseguir ter a percepção que não é, de facto, o fim do mundo e mesmo que o seja já nada podemos fazer de real como quando os levávamos numa correria às urgências do hospital. Ao longo do tempo, desde que somos pais, começamos a sentirmo-nos aptos a diagnosticar os males do corpo dos nosso filhos... as estranhas viroses, anginas, intoxicações e excessos alimentares. Até mesmo as alergias.
Mas estar apto a reconhecer, e consequentemente ajudar, um adolescente, mesmo nosso filho com quem lidamos desde que nasceu, relativamente aos males ligados ao espírito - depressões, altos e baixos aparentemente inexplicáveis e dificilmente compreensíveis pelos adultos- não é tarefa fácil e, muitas vezes impossível de realizar de uma assentada só!
O que fazer para que entendam que os amamos e só queremos ajudar?
Se antes bastava o nosso colo, a nossa mão e o nosso conforto para acalmar o seu choro? Se antes o transmitir-lhes confiança e o nosso amor era tão mais simples e intuitivo? Pelo que tenho constatado com os “meus” adolescentes- os que através de mim nascerem e os que a mim estão ligados pela preocupação e pelo afecto - muitas vezes sentem-se confusos ao ponto de saberem que sofrem porque sentem esse sofrimento, que necessitam de ajuda, mas sem entenderem muito bem sobre o quê, para quê e porquê! Daí aquela atitude típica de se fecharem pensando que se nem eles entendem o sofrimento muito menos os “cotas” que estão tão longe deles irão entender!
Às depressões sucedem-se as ansiedades, os medos e o recolhimento, o isolamento no quarto ou no grupo de amigos. Querem e pedem-nos mais “liberdade” pensando saber usá-la, mas ainda sem terem sequer noção exacta do que é, de facto, a liberdade nesta vida e o que ela acarreta de responsabilidade. Mesmo quando os educamos com o lema “educar com responsabilidade para a liberdade” e segundo outros slogans que tais, nunca funciona como aparenta, salvo algumas honrosas excepções que sempre existem - a maior parte das vezes no meio de três irmãos educados de forma idêntica - para nos confundirem ainda mais nesta nossa missão feita arte. Cada pessoa é única e desta maneira aprendemos a também olhar os adolescentes: cada jovem é um ser único e deve ser olhado como tal, acredito.
Nas tentativas para os ajudar, além da sensibilidade, do amor, compreensão e firmeza, quanto esforço fazemos para lhes dar a entender que só eles poderão construir as suas vidas futuras e mudar o que os preocupa. Alterar os seus mundos e os fantasmas que lhes tiram o sono e lhes ensombram os olhos antigamente alegres, na medida em que quando se compreenderem a eles poderão tomar as atitudes e as posturas mais adequadas à sua própria felicidade. “Mãe, é preciso todo este sofrimento só para crescer?”- lembro-me tão bem da carita da minha filha mais velha quando teve a sua primeira desilusão amorosa, na qual teimou sem me dar ouvidos. E agora pergunto eu: Tanto sofrimento para continuarmos nós também a crescer e a ajudar-vos a crescerem e a tentarem ser felizes? Não seria bem mais fácil se trouxessem manual de instruções!

dedicado a todos nós, pais de coração inteiro

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